Francisco José Alves
No português corrente, forró tem duplo significado. De um lado é, conforme um dicionário, “festa popular”, ou, com algum laivo de preconceito, “baile reles”. Do outro, o vocábulo remete a um conjunto de gêneros musicais: coco, baião, xote, etc. Na acepção de baile, forró tem muitos sinônimos populares: bate-chinela, bate-coxa, rala-bucho, arrastapé e aria a fivela, etc. Como se vê, baile e gênero musical circunscrevem o campo de significados do termo popular.
Parece assente, entre os estudiosos do vocabulário português, que o termo forró é mera corruptela de forrobodó. Na gíria técnica dos peritos, o vocábulo sofreu uma apócope, ou seja, a supressão ao final de um fonema ou silaba. Não é fato incomum, na história da língua. Assim, por exemplo, o latim mare tornou-se, na língua portuguesa, mar. Por outro lado, a explicação de que forró é derivado da expressão inglesa for all (para todos), introduzida durante a 2ª Guerra Mundial (1939-1945), parece mais um caso da chamada etimologia folclórica, explicações fantasiosas da origem das palavras, pois, como veremos, há registro do termo desde 1905.
De forrobodó, como festa, temos registros desde o século XIX. Vejamos alguns dados históricos sobre o termo e o fenômeno em apreço.
Um dos registros mais recuados do vocábulo forrobodó vem de 1833, conforme Luís da Câmara Cascudo (1898-1986). O jornal carioca o Mefistófeles traz em seu número 15: “O ator Guilherme na noite do seu forrobodó”. A nota é por demais concisa, impossibilitando-nos descortinar o significado do termo no contexto aludido. Para a pesquisadora Edinha Dinis, a nota carioca alude a uma forma de teatro popular à época. Reforçando a hipótese da pesquisadora, há uma nota na revista América Ilustrada, de 1882: “Um arremedo de folhetim, cheirando a forrobodó”.
Muito provavelmente é em 1883 e 1884 que forrobodó recebe o seu primeiro registro em dicionários da língua portuguesa. Naqueles anos, o estudioso Henrique Pedro Carlos de Beaurepaire-Rohan (1811-1899) publica, na Gazeta Literária, o seu Glossário de Vocábulos Brasileiros que se tornaria livro, em 1889, com o título de Dicionário de Vocábulos Brasileiros. É uma espécie de oficialização do termo, inserindo-se no monumento da língua, o dicionário. Dez anos após, em 1899, forrobodó volta a figurar noutro dicionário da língua portuguesa. Desta feita, é o dicionarista Antônio Cândido de Figueiredo (1846-1925) que documenta o termo no famoso Novo Dicionário da Língua Portuguesa. O vocábulo difuso entra definitivamente na nossa língua. O estudioso registra: “Forrobodó – baile reles”.
O incontornável Luís da Câmara Cascudo (1898-1986) nos oferece ainda alguns dados sobre o forrobodó nas décadas iniciais do século XX. O mestre potiguar encontrou registros do termo em jornais cariocas de 1905 e 1913. A nota de 1913 chega a descrever o forrobodó daquela época. Menciona os instrumentos musicais: violão, sanfona, reco-reco; a origem social de seus participantes: “a ralé”. É, ainda, em 1913 que o termo forró é dicionarizado pela primeira vez, conforme o Houaiss. O fato ocorre na segunda edição do Novo Dicionário da Língua Portuguesa de autoria de Antônio Cândido de Figueiredo (1846-1925).
Para os anos de 1930, temos o registro do sergipano Laudelino Freire (1873-1937). O dicionário do autor documenta tanto forró quanto forrobodó. Forró, no entender do perito, é “baile de gente ordinária”. Já forrobodó vem com três acepções: baile reles; pagodeira; confusão ou desordem.
Alguns dicionários da língua portuguesa publicados no início do século XX documentam forrobodó como sinônimo de baile popular. É o caso de A Gíria Portuguesa, de Antônio Alberto Lessa, publicado em 1901. Para o autor lusitano, o termo é um brasileirismo e significa baile ordinário e sem etiqueta. É o avesso do sarau das elites da época. Doze anos após Alberto Lessa, temos o registro do pernambucano Francisco A. Pereira da Costa (1851-1923). Em 1917, o autor documenta forrobodó como baile popular. Idêntico registro temos em A Gíria do Norte, de José Rodrigues de Carvalho (1867-1935), editado em 1918.
Um outro registro que documenta as formas forrobodó e forró data de 1905. Trata-se de um levantamento vocabular do falar da Amazônia feito pelo escritor Vicente Chermont de Miranda (1850-1907). O estudioso anota: “forrobodó ou simplesmente forró, substantivo masculino – baile da ralé”.
O documento amazônico, penso eu, assinala dois fatos significativos. Em primeiro lugar a extensão geográfica do termo e do fato social. À época o vocábulo não circula somente no Sudeste ou Nordeste. Tem uso difuso. Um segundo aspecto, é que o autor comprova a origem de forró no velho forrobodó. Em seu entender, forró é mera forma simplificada de forrobodó. A forma é diferenciada, mas o sentido continua o mesmo: “baile da ralé”. A semântica foi conservada.
A dicionarização de forró, em 1913, me parece, não significou a completa substituição do velho forrobodó. Sobre isto, temos o testemunho precioso do escritor alagoano Graciliano Ramos (1892-1953). Em São Bernardo, romance editado em 1934, e cujo enredo é ambientado na zona rural alagoana, o romancista utiliza o termo forrobodó para nomear baile popular. O protagonista narrador relata: “À noite, enquanto a negrada sambava num forrobodó empestado ...”. Ainda hoje, forró e forrobodó têm registros nos nossos dicionários. Todavia, entre os nordestinos o primeiro termo parece ser de uso mais freqüente.
No dicionário de Francisco Júlio Caldas Aulete (1823-1881), na edição de 1958, forró é definido como sinônimo de “arrastapé”. Ele registra explicitamente: “Forró- forma abreviada de forrobodó”. Quanto a forrobodó temos: “festança, arrastapé animado com bebidas e comezinhas, farra, confusão, desordem, festa ruidosa e ainda uma espécie de pão doce”.
Os documentos aqui arrolados apontam para algumas conclusões. A origem imediata de forró é forrobodó, e não for all. Por outro lado, forról não tem procedência exclusivamente nordestina, pois, como vimos, há registro do termo noutras regiões do Brasil. Ao longo do tempo, todavia, o forró conservou o seu feitio popular, muito embora tenha sido, nos últimos tempos, assimilado pela classe média urbana, como indicia o surgimento do chamado forró universitário.
Publicado no Jornal da Cidade, Aracaju, 24 e 25 de Junho de 2007. Caderno B, p. 9.
Currículo
Doutor em História e professor do Departamento de História da UFS. Contato: eraldo.neves@yahoo.com.br