Quem viveu a década de 1970 sabe o que representou a emergência do Festival de Arte de São Cristóvão. Criado em plena ditadura militar, ele foi um espaço de liberdade desde a sua concepção, embora fosse uma resposta da recém-instalada Universidade Federal de Sergipe (UFS) à convocação do Governo Federal para que as universidades comemorassem o Sesquicentenário da Independência do Brasil. Seus resultados ultrapassaram o objetivo original. Ainda pequena e iniciante, a UFS foi buscar inspiração no modelo dos Festivais de Arte, e o Reitor Luiz Bispo inaugurou o evento tomando-o como forma de implantar a Extensão Universitária, atividade que fora equiparada, na legislação do ensino superior, à pesquisa e ao ensino (Lei n. 5.540, de 28/11/1968).
O modelo atendia a iniciativas já criadas no interior da Universidade e a projetos de desenvolvimento do turismo cultural no Estado de Sergipe. E tudo se enquadrava como uma luva no cenário inspirador de São Cristóvão, declarada cidade monumento histórico por decreto do Governo estadual, em 1968 e rica de bens tombados pelo IPHAN. O maestro Antônio Carlos Plech, regente do Coral da UFS, sonhava com um festival de coros à luz de velas, com apresentações na igreja do Convento São Francisco. Estabelecida ainda pelo primeiro Reitor, João Cardoso Nascimento Júnior, a Comissão Central de Comemorações do Sesquicentenário discutiu proposta oriunda da então Assessoria de Relações Públicas da UFS, dirigida pelo jornalista João Oliva Alves e unificou as ideias existentes, sugerindo a criação do Festival de Arte de São Cristóvão.
Assim, em 1º. de setembro de 1972 nascia o Festival. Nos espaços seculares da antiga capital de Sergipe aconteciam seminários, cursos, oficinas de arte, concertos de corais e de música, jograis, shows, espetáculos de balé, de teatro e de ginástica moderna, um Festival de Cinema Amador, exposições de artes visuais e de artesanato enquanto nas ruas se apresentavam grupos folclóricos vindos de diversos municípios sergipanos.
O FASC abriu perspectivas inesperadas. A par de inaugurar a Extensão e de buscar apoio do então Ministério da Educação e Cultura, a UFS se articulou com o Governo do Estado, com governos municipais e com diversas instituições do mundo cultural e empresarial, que assumiram conjuntamente a realização do Festival. Abriu-se o leque de relações entre a Universidade e a sociedade e o intercâmbio cultural inter-regional. Sergipe, ainda ferido pelas consequências do golpe militar, que levara à destituição e prisão do seu governador (Seixas Dórea), convivia com a intervenção ditatorial particularmente severa em vários aspectos da sua vida, mas pôde buscar nas raízes da história e da cultura alguma esperança no futuro.
Amplamente divulgado na imprensa local e até em alguns veículos da imprensa nacional, o FASC projetou Sergipe e São Cristóvão e se tornou um programa que a UFS realizou, ininterruptamente, durante vinte e três anos: de 1972 a 1995. Em seguida, com algumas interrupções, o Festival aconteceu até 2005, liderado pela Prefeitura de São Cristóvão. Doze anos depois de um vazio que não conseguiu fazê-lo esquecido, o FASC ressurge, por iniciativa da Prefeitura de São Cristóvão, junto com a UFS.
Nos dias 1º. 2 e 3 de dezembro próximo vindouro, oficinas, fóruns, exibição de filmes de curta metragem, exposições fotográficas e de artes visuais, shows musicais, espetáculos de dança e de teatro, contação de histórias, eventos literários e apresentações de grupos folclóricos e de mestres da cultura popular vão colorir as ruas da antiga cidade, mobilizando oitenta e dois grupos que se credenciaram para a programação.
A retomada do FASC vem atender a um desejo da comunidade cristovense, de intelectuais, artistas e agentes culturais sergipanos, de mestres da cultura popular e de setores da UFS. Desde 2010, quando a Praça São Francisco foi declarada Patrimônio da Humanidade, tornou-se premente a reivindicação pela volta do Festival. Afinal, uma cidade que tem um bem do Patrimônio Mundial, que é patrimônio cultural nacional e cidade monumento estadual, reúne condições para fomentar uma nova e duradoura atuação cultural, com um programa que catalise a atenção de artistas, de intelectuais e de turistas, tornando-se referência na pauta cultural e turística do País.
Contribuir para o sucesso e a permanência do novo FASC deve ser do interesse coletivo. Que possamos vivenciar o tempo da cultura, da arte, da história e da memória que se anuncia, recitando as palavras do inesquecível professor Alberto Carvalho, quando falou à cidade, embandeirada para o I FASC:
“O tempo hoje, São Cristóvão,
É um espetáculo de som e luz
Por sobre os hieráticos, brancos muros
Eretos nos teus séculos transatos.”
Terezinha Alves de Oliva é historiadora, professora emérita da UFS e oradora do IHGSE.
Artigo publicado no Jornal Correio de Sergipe na edição desse final de semana nos dias 25, 26 e 27 de novembro de 2017.