Josafá Neto e Osmar Rios | Rádio UFS - A aposentada Maria dos Santos, de 75 anos, já foi vacinada contra a covid-19. No entanto, ainda não sabe se o imunizante será capaz de protegê-la plenamente da infecção provocada pelo novo coronavírus. Isso porque ela recebeu duas doses de vacinas de fabricantes diferentes contra a doença, contrariando a recomendação do Ministério da Saúde sobre a aplicação do mesmo imunizante.
No dia 15 de março, a idosa tomou a primeira dose da Coronavac, produzida pelo laboratório Sinovac em parceria com o Instituto Butantan. Vinte dias depois, foi vacinada com a Covisheld, do laboratório AstraZeneca com a Universidade de Oxford e a Fiocruz.
O equívoco ocorreu na última segunda-feira, 5, na Unidade Básica de Saúde Augusto Franco, no Bairro Farolândia, Zona Sul de Aracaju. A secretaria municipal de Saúde confirmou a falha na administração dos imunizantes um dia após a idosa receber a segunda dose. Há registros de casos similares em São Paulo e no Distrito Federal.
Há riscos para a pessoa vacinada nestas circunstâncias? O professor do Departamento de Educação em Saúde da Universidade Federal de Sergipe (UFS), Diego Tanajura, esclarece as principais dúvidas sobre o assunto. Ele tem experiência no desenvolvimento de pesquisas sobre testes e ensaios pré-clínicos de vacinas no Brasil.
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Quais são os riscos para a idosa vacinada contra o novo coronavírus com doses de fabricantes diferentes? O risco é mínimo. O risco é o mesmo caso ela tivesse tomado as doses corretas, porque estamos falando de duas vacinas seguras, a Coronavac e a da AstraZeneca. O que se deve fazer é acompanhar a pessoa para ver se ela não vai ter alguma reação adversa. Já houve relatos disso acontecendo em outros estados e a gente não teve observação de reação adversa grave. Não é porque houve uma mistura de vacinas que ela vai ter alguma reação alérgica. Pode acontecer algo se ela já tiver alergia a algum dos componentes da vacina, mas não pelo fato de serem dois imunizantes diferentes. A da Coronavac certamente ela não tem, porque foi a primeira que tomou e até agora não teve nada grave que a gente saiba. É preciso olhar em relação à vacina de Oxford. Vale ainda ressaltar que as duas vacinas em questão foram amplamente testadas em idosos e mostraram que são seguras.
Esse equívoco na imunização gera implicações quanto à eficácia das duas vacinas contra a covid-19 aplicadas na idosa? Sim, é bem possível que isso traga implicações nesse aspecto. Agora, não sabemos se essas implicações seriam, por exemplo, aumentar ou diminuir a eficácia do imunizante. Não temos dados sobre essa questão da mistura de vacinas. Então, não temos como falar sobre como ficaria a eficácia neste caso. A Coronavac tem uma eficácia de 50,4%, mas somente quando você aplica as duas doses dela. Nesse mesmo modelo, a da AstraZeneca chega a uma eficácia de 82%. Agora, na mistura delas, ainda não sabemos o que poderia acarretar em relação à eficácia. Neste episódio da idosa, alguma imunidade será desenvolvida. Ela vai desenvolver algum grau de proteção. O que a gente não sabe é qual seria esse grau, qual seria essa eficácia, porque ela não vai ter a eficácia de cada um dos imunizantes.
Por que a orientação é evitar a aplicação de vacinas de origem distinta numa mesma pessoa? Mesmo não tendo risco, não se recomenda aplicar doses diferentes de vacinas contra a covid-19 porque não há resultados de eficácia. Você não sabe se a eficácia vai ser menor ou maior ao fazer essa mistura. É preciso um estudo mais aprofundado sobre isso. Um exemplo: existem vacinas contra o ebola que, apesar de serem doses diferentes, existem estudos sobre elas em relação a isso. As vacinas contra poliomielite têm estratégias vacinais diferentes, mas há um estudo sobre elas. A vacina da Rússia contra a covid-19, se você fizer uma avaliação através da metodologia de vetor viral, a primeira dose é diferente da segunda, mas você teve ensaios clínicos para mostrar que cada dose dessa, apesar de diferente, é segura e eficaz. Oxford, por exemplo, está testando essa mistura, primeiro a dose dela e depois um reforço com a Pfizer. Há também ensaio clínico registrado com a primeira dose sendo da vacina de Oxford e a segunda dose com a Sputnik. Então, precisamos aguardar esses resultados para descobrir como ficará a eficácia e saber se pode ser recomendada essa mistura ou não. No momento atual, a recomendação é tomar as duas doses da mesma vacina.
O Ministério da Saúde não recomenda a administração de doses adicionais nestas situações de troca de vacinas. O senhor concorda? Esse indivíduo é considerado como devidamente não imunizado, por isso que eu discordo dessa conduta do Ministério. Algo precisa ser feito. Na minha avaliação, em relação à idosa, o que poderia ser feito é, justamente, não aplicar a terceira dose da Coronavac, porque ficaria muito próxima da aplicação da vacina de Oxford, que foi a segunda dose, a dose trocada. Poderia então "esquecer" a primeira dose da Coronavac e contar apenas a de Oxford como primeira dose. A partir daí você dá um espaçamento de doze semanas para a segunda dose. É um tempo maior principalmente por ser uma paciente idosa, não sabemos se ela tem comorbidades, por exemplo. Com isso, você teria a vacinação completa com o esquema da AstraZeneca, a vacina de Oxford, que tem uma eficácia de 82%. Se você não der a dose adicional, não tem como saber qual a real eficácia da vacina naquela pessoa. E temos exemplos em outros estados, que estão dando as doses adicionais para que as pessoas tenham o esquema completo de uma das vacinas.