Angelo Roberto Antoniolli
Na semana passada, eu tomei da caneta para assinar mais uma leva de documentos. Ao me deparar com uma portaria através da qual era conferido o direito de aposentadoria a um professor, chamei a atenção dos que estavam comigo e disse: “Todos merecem, um dia, se aposentar. Mas, alguns deveriam demorar um pouco mais, tal é o que ainda podem fazer de útil e de bom”. Eu falava do professor ora homenageado.
A Constituição Federal confere aos servidores públicos “titulares de cargos efetivos” o direito à aposentadoria. E impõe a aposentadoria compulsória aos 70 anos (art. 40, § 1º, II). Chegando a essa idade, como é do conhecimento de todos os leitores, o servidor público deve se aposentar. Chegou, assim, a hora do Professor Doutor Eduardo Antônio Conde Garcia, que deixa a Universidade Federal de Sergipe, após um intenso, brilhante e reconhecido labor.
Eduardo Garcia nasceu na capital sergipana, em 7 de julho de 1944, sendo filho do também professor, médico e acadêmico Antonio Garcia Filho e de Dona Waldette Conde Garcia. Formou-se em Medicina pela Universidade Federal de Sergipe em 1968. Estudou cirurgia vascular e cardíaca no serviço do Prof. Dr. Iseu Costa (UFPR). Foi cirurgião vascular nos Hospitais de Cirurgia e São José e cirurgião-geral do pronto socorro do Hospital de Cirurgia. Em 1969, foi aprovado em concurso para professor de Biofísica na UFS, tendo ali ocupado todos os cargos docentes, culminando com o de Professor Titular. É Doutor em Biofísica (1975) pelo Instituto de Biofísica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IBCCF/UFRJ). Fez curso de pós-doutoramento no Instituto Venezuelano de Investigaciónes Científicas (IVIC, Caracas/Venezuela). Na UFS, foi Chefe dos Departamentos de Biologia Molecular (DBM) e de Fisiologia (DFS), Diretor do Centro de Ciências Biológicas e da Saúde (CCBS), membro dos conselhos superiores (CONSU e CONEP), primeiro Reitor eleito pelo voto direto da comunidade universitária (1984-1988), além de membro e presidente do Conselho Diretor (2009-2014). Fundou o Laboratório de Biofísica do Coração (LBC/DFS/CCBS/UFS). Destacou-se na orientação de Programas de Mestrado e Doutorado em Pernambuco (UFPE), Paraíba (UFPB), Rio Grande do Sul (UFRGS) e Sergipe (UFS). Em 1971, organizou, em Sergipe, o I Congresso Brasileiro de Biofísica. Foi Presidente da Sociedade Brasileira de Biofísica (1989-1991) e da Academia Sergipana de Medicina. Além de pertencer a estas instituições, é também membro da Academia Sergipana de Letras e da New York Academy of Science. Foi membro fundador da Sociedade Sergipana de Cardiologia e da Sociedade Sergipana de Angiologia e Cirurgia Vascular. Publicou “BIOFÍSICA” (livro-texto para o curso de Medicina, pela Editora Sarvier, São Paulo, 1998), “FRESTA” (poesias, pela Gráfica Diplomata, Aracaju, 1989) e “ANTONIO GARCIA FILHO E A FACULDADE DE MEDICINA DE SERGIPE – CRIADOR E CRIATURA” (pela SERCORE Artes Gráficas, Aracaju, 2008), sobre a fundação da Faculdade de Medicina de Sergipe, e que se traduz também em belíssimo tributo aos seus fundadores, tendo à frente o seu próprio genitor, e cuja fundação ocorreu no governo de Luiz Garcia, tio de Eduardo, e também professor da UFS, na área do Direito (linux.alfamaweb.com.br).
Eduardo Garcia completou 70 anos na última segunda-feira, dia 7. Poderia ter se aposentado há muito tempo. Preferiu aguardar a compulsória. Na noite de hoje, quinta-feira, dia 10, ele e a sua digníssima família mandarão celebrar missa em ação de graças, na Paróquia São José, nesta capital. Será um momento de louvor e de agradecimento a Deus, que Eduardo e família dividirão com os colegas e amigos. Afinal, sendo a vida, na visão de quem professa o cristianismo, uma dádiva de Deus, louvar e agradecer por uma vida tão profícua é reconhecer a grandeza do Criador e aos seus pés depositar humildemente os feitos de quem recebeu talentos e não os enterrou. Ao contrário, com todos que o cercam, na família e fora dela, ele compartilhou o saber, o companheirismo, o amor e a amizade.
Homens e mulheres carregam pela vida afora virtudes e defeitos. Em algumas pessoas, aquelas se sobrepõem a estes. Em outras, dá-se o inverso. Em Eduardo Garcia, para quem com ele conviveu mais de perto, as virtudes ofuscaram possíveis defeitos. Ele soube e sabe viver e conviver. Com disciplina, com galhardia, com retidão de caráter, com firmeza ao decidir, com generosidade ao compartir.
O professor Eduardo Garcia fez uma gestão profícua à frente da Reitoria da UFS, tanto quando lhe permitiram as condições políticas, econômico-financeiras e técnicas da época. Em sua gestão ocorreu a implantação do projeto arqueológico da UFS no sentido de realizar o salvamento de peças arqueológicas na região alagada pela Hidroelétrica de Xingó. Também houve a criação do Mestrado em Geografia, do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (NEAB), do Programa de Apoio às Atividades de Pesquisa, do Encontro Sergipano de Coros, bem como a construção dos blocos de anatomia patológica e a reforma do Hospital Universitário (www.reitoria.ufs.br).
Ele é um exemplo de profissional competente que se vai. Entretanto, decerto, não irá completamente. Eduardo ainda terá muito que contribuir com a nossa UFS e com a sociedade sergipana. A sua vida não foi e não haverá de ser dispersa com a merecida aposentadoria. Disso dá testemunho o seu poema “Fluir”, publicado no livro “FRESTA”: “Escorrer a vida / tal água em cristalina gota, / que, aos poucos, na vidraça, / junta aqui, / junta acolá, / cada disperso pedaço / de si mesma”.
Eduardo Garcia se aposenta com a alma livre, plena do dever cumprido. Da sua vida e do seu labor ele fez um canto vivo. Aliás, “Canto Vivo” é outro poema simbólico do seu livro de poemas: “Em cada alma / há um canto / onde se vive a poesia”.
Eduardo é o tipo de pessoa que não passa em vão pelos outros. Preciso dizer mais?
Angelo Roberto Antoniolli - Reitor da Universidade Federal de Sergipe