Saber Ciência / Mário Everaldo de Souza e Susana de Souza Lalic
09/06/2010
Vimos na semana passada que são extremamente raros os acidentes em usinas nucleares, e que a maioria deles não teve nenhum impacto mais sério para a população ou o meio ambiente.
Numa usina nuclear são os nêutrons que produzem a fissão do núcleo de U-235, que faz parte do combustível nuclear. Então, para “desligar” ou controlar uma usina nuclear é preciso eliminar ou controlar os nêutrons que estão circulando. Alguns elementos químicos têm a propriedade de absorver esses nêutrons. Assim, juntamente com o combustível nuclear, estão o moderador de nêutrons e as barras de controle (feitos desses elementos) colocados em contato com um material refrigerante que tem o papel de baixar a temperatura do núcleo do reator (onde ocorre a fissão) e de transmitir o calor a outro meio através de um trocador de calor.
Os refrigerantes típicos são água, dióxido de carbono gasoso e sódio líquido, que dão origem a tipos diferentes de reatores nucleares, BWR, PWR, GCR e MCR. Em um PWR, a água é mantida líquida a uma temperatura de aproximadamente 320 °C (dentro de uma espécie de “panela de pressão”) e transmite o calor, através de um trocador de calor, a outra água que é vaporizada. Este vapor faz as turbinas girarem e gerarem energia elétrica. A primeira água (líquida), que é radioativa, está contida no chamado circuito primário, sem contato com a segunda água (vapor), que está no circuito secundário. Quando se vê fotos das chaminés de usinas nucleares, logo se pensa, lá está o vapor radioativo! Nada disso, só sai vapor de água não radioativo.
Os reatores construídos em Angra 1 e 2 são PWR, ou Reator a Água Pressurizada, pois contêm água sob alta pressão. O combustível nuclear é colocado em forma de pastilhas de 1 cm de diâmetro dentro de varetas de 4 m de comprimento, que podem suportar altas temperaturas, mantendo as pastilhas presas. Os elementos resultantes da fissão nuclear são radioativos e perigosos e, por isso, devem ficar retidos no interior do reator e depois tratados de forma adequada. Isso é extensamente fiscalizado no Brasil e no mundo. O reator nuclear e o circuito primário são contidos por paredes de concreto (a chamada contenção de concreto) com cerca de um metro de espessura e toda a usina também é contida por paredes de concreto de acordo com normas internacionais de segurança.
Quanto ao meio ambiente, a operação normal de uma usina nuclear não causa quase nenhum impacto ao meio ambiente. No caso específico das usinas de Angra, um terceiro circuito de água é utilizado para resfriar o circuito secundário, fazendo com que o vapor d’água se condense. Lá se usa água do mar para resfriar o circuito secundário, mas poderia ser usada uma parte do fluxo de água de um rio, como o São Francisco. O impacto causado nessa água é apenas um pequeno aumento da sua temperatura. Em Angra o aumento da temperatura da água usada no resfriamento e que é devolvida ao mar é de 4 °C. Isto causa apenas uma pequena alteração na população de algumas algas marinhas. Mas a água do local é tão limpa que até, frequentemente, relata-se a presença de tartarugas marinhas, que são altamente sensíveis a poluição.
Alguns processos industriais insuspeitos produzem resíduos radioativos. A própria exploração de petróleo produz resíduos radioativos que são armazenados e não tem ainda um destino final definitivo. Um comunicado recente do Laboratório Nacional de Oak Ridge, nos EUA, mostra que usinas de carvão produzem mais lixo radioativo liberado ao meio ambiente do que usinas nucleares.
Em países com usinas nucleares o lixo radioativo significa somente 1% do total do lixo tóxico industrial. Como um todo, usinas nucleares produzem bem menos lixo por volume do que usinas de combustível fóssil, como as baseadas em carvão.
O lixo radioativo, ou melhor, rejeitos radioativos, produzidos nas usinas nucleares de Angra estão sendo colocados mecanicamente em recipientes apropriados e armazenados em um local adequado dentro da própria usina. Ainda não sabemos que destinação final ele terá. Quase certamente ele será reprocessado, como está ocorrendo em vários países do primeiro mundo. A França, por exemplo, reprocessa até 95% dos rejeitos radioativos e forma um novo combustível nuclear. A Grã-Bretanha, os EUA e a Rússia também reprocessam. China, Japão e Índia o farão em um futuro próximo.
Sabe-se onde está cada miligrama dos rejeitos radioativos produzidos em nossas usinas e existem diversos estudos sobre sua destinação final. Teríamos um mundo muito melhor se cada atividade, industrial ou não, cuidasse de seu rejeito como se cuida na produção de energia nuclear. Na verdade, o que em geral impede a destinação adequada para os rejeitos radioativos é um problema político, muito mais do que técnico, devido ao preconceito da opinião pública.
Na semana que vem, abordaremos a produção de combustível nuclear e argumentaremos porque Sergipe deve aceitar uma central nuclear nesse Estado.
Currículo
Mário Everaldo de Souza é professor do Departamento de Física da UFS desde 1990, se doutorou em Física em 1990 pela University Of Illinois At Chicago (UIC), Estados com Unidos e possui especialização em Engenharia Nuclear.
Susana de Souza Lalic se doutorou em Física em 2002 pela Universidade de São Paulo (USP). Professora do Departamento de Física da UFS desde 2004, ela tem orientado diversos projetos de mestrado e doutorado na proteção radiológica e energia nuclear.