Janaina Cardoso de Mello & Raquel de Andrade Dantas Figueirôa
26/09/2011
(Novas práticas tridimensionais de salvaguarda do patrimônio histórico)
As ruínas de cidades históricas sofrem depredações pela ação do tempo, por banalizações humanas individuais ou institucionais (demolição ou restauração). Consideram-se, então, nessa pesquisa, as potencialidades das ruínas de Laranjeiras (SE) como objeto de estudo para as pesquisas da Arqueologia Histórica a partir da “noção de significância”, ou seja, dos aspectos históricos, científicos, étnicos, públicos e legais contidos nesse espaço. Relacionando-se como objetos de pesquisa: as ruínas do antigo hospital São João de Deus e as do Teatro São Pedro. O município, localizado a 20 km de Aracaju, possui na atualidade um contingente populacional composto por um quantitativo não inferior a 80% de afro-descendentes, em razão do grande contingente de africanos importados para o trabalho nas lavouras coloniais, demarcando assim o perfil étnico de sua população. A contribuição negra exerce uma forte influência nas manifestações culturais da cidade, não obstante a arquitetura preservada seja de matriz européia.
Independentemente de seu espaço, função e duração de ocupação, a cultura material das ruínas pode fornecer pistas importantes sobre a sociedade local, cultura e ideologia dos habitantes. A pesquisa recorrerá ao estudo de modernas técnicas de digitalização e modelagem tridimensional como uma nova perspectiva de salvaguarda desses patrimônios arqueológicos em ruínas. Funari (2007), em Arqueologia e Patrimônio, afirma que não há identidade sem memória, aqueles que perdem sua memória, perdem sua identidade também. Coloca ainda que os arqueólogos deveriam agir com a comunidade, disponibilizando ao povo uma melhor compreensão do passado e do mundo. O autor afirma que informação, criação de consciência, ação no mundo, transformação, são as metas da preservação. Portanto, como preconiza Funari, este artigo busca compreender a relação dos grupos sociais de Laranjeiras com o ambiente arquitetônico que o cerca ao longo dos tempos e propor novas práticas tridimensionais de salvaguarda para as ruínas do município, em especial, as do antigo hospital São João de Deus e as do Teatro São Pedro. Por se tratar de materiais já desgastados pela ação natural, muitos deles estão em delicado estado de conservação e por utilizar técnicas não invasivas na obtenção de dados, o 3D tem sido um importante aliado no processo de catalogação, conservação e estudo dos artefatos encontrados, salvaguardando assim, o patrimônio arqueológico. Com a digitalização das ruínas, os registros e as informações das estruturas catalogadas poderão ser incorporados aos projetos de educação patrimonial em Laranjeiras. O estudo visa também colaborar com os debates sobre o tema, abordando a importância da preservação de uma arqueologia em ruínas.
Diversos pesquisadores têm se dedicado ao estudo da preservação do acervo do patrimônio arqueológico, mas poucos sob o olhar digital. A importância da preservação de achados arqueológicos e as alternativas que buscam garantir a proteção à informação irão garantir acesso à educação patrimonial material pelas gerações atuais e futuras. Patrimônio é visto com muita abrangência, como sinônimo de qualidade de vida, pesquisa e ensino, erudito e popular, antigo e moderno e, acima de tudo, preservação para a informação. Trigger, na obra “História do Pensamento Arqueológico”, ressalta a importância da computação na Arqueologia: “A proliferação de formas eletrônicas de tratamento de dados revolucionou a análise arqueológica tanto quanto a datação por radiocarbono. Hoje é possível, de forma rotineira, estabelecer correlações entre grandes quantidades de dados num montante que, no passado, apenas arqueólogos excepcionais, como W. M. Petrie, poderiam tentar analisar (Kendall, 1969,1971). A computação permite aos arqueólogos usar os abundantes dados ao seu dispor em busca de uma padronização mais detalhada dos testemunhos arqueológicos e permite-lhes testar hipóteses mais complexa”.
O teatro Santo Antônio terminou por se sobressair ao São Pedro, cujas instalações não foram concluídas, atraindo a atenção de companhias nacionais e internacionais que se apresentaram nesse espaço. Durante um bom tempo ficou abandonado, sendo utilizado como cortiço, mas adquirindo novo uso social após a restauração do projeto Monumenta (Foi um programa do governo federal brasileiro executado pelo Ministério da Cultura e patrocinado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) que consistiu na reforma e resgate do patrimônio cultural urbano em todo Brasil. Criado em 1995, atendeu mais de 26 cidades) ao abrigar a biblioteca e salas de professores do campus da Universidade Federal de Sergipe. O teatro possui de pé somente a fachada e parte de uma parede lateral. Sua arquitetura pode ser classificada como neoclássica ortodoxa, com tendências ao neocolonial tradicionalista (SILVA E. – NOGUEIRA A. 2009:73-74). Sua estrutura de sobrado conserva janelas e portas em arco. Não há nenhum impedimento a circulação por suas ruínas, o que coloca em risco a segurança de moradores próximos. As ruínas do Teatro São Pedro estão localizadas na praça Possidônia Bragança, de frente para a Igreja de Nossa Senhora da Conceição dos Pardos, ao lado do prédio da antiga delegacia e que na atualidade está sendo reformado para abrigar as aulas e laboratórios do curso de Mestrado em Arqueologia da Universidade Federal de Sergipe. Não obstante, a obra do teatro tenha sido interrompida, o espaço ainda serviu de palco para a visita de D. Pedro II, acompanhado da Imperatriz D. Tereza Cristina à Laranjeiras na segunda metade do século XIX. Em novembro de 2010 a cidade recebeu o príncipe D. Antonio Orleans e Bragança, bisneto da princesa Isabel, para redesenhar os passos de seus ancestrais.
Entretanto, o hospital na rua lateral da Igreja Nossa Senhora Conceição dos Pardos (Construída no século XIX, pelos pardos (mestiços), a igreja tornou-se centro de devoção à Nossa Senhora da Conceição. O Imperador Dom Pedro II, na ocasião de sua visita à Laranjeiras, contribuiu com donativos para conclusão das obras) destacou-se nos anos iniciais do século XX pela presença em seus quadros do Dr. Antônio Militão de Bragança, nascido em 31 de julho de 1860 em Laranjeiras/SE, filho de Dr. Francisco Alberto de Bragança e Possidônia Maria de Santa Cruz Bragança (origem do nome da praça anteriormente citada, a qual urbanizou com recursos próprios). Formado pela Faculdade de Medicina da Bahia em 1883, clinicou por um tempo no Rio de Janeiro e mais tarde em Alagoas, no município de Pão de Açúcar. Em 1892 regressou a Laranjeiras, sendo empossado em 1898 como Delegado de Higiene.
Prototipagem rápida - A Prototipagem Rápida é uma tecnologia que permite fabricar objetos físicos tridimensionais a partir de arquivos digitais criados em sistema CAD (Computer Aided Design é uma sigla em inglês que significa Desenho Auxiliado por Computador). Os mesmos dados do desenho do arquivo digital servem para a execução do protótipo (modelo). Dentre as vantagens que a Prototipagem Rápida oferece estão: alta precisão; inclusive em detalhamentos de pequena escala, produção ilimitada de peças iguais em formato e tamanho; produção de curvas planas; até mesmo as feitas à mão livre e diminuição do trabalho com acabamento e economia de tempo em relação às produções manuais. O uso dessa tecnologia evita o manuseio das peças, contribuindo para a conservação do acervo, possibilitando ao visitante, conhecer a fundo o material pesquisado, permitindo o acesso às informações e detalhes da estrutura das peças que dificilmente seriam encontrados a olho nu. Além de ser uma importante ferramenta para a reconstituição da história, a técnica permite que as réplicas sejam utilizadas para o intercâmbio entre os centros de pesquisa, que muitas vezes guardam peças complementares no processo de construção do conhecimento, que se encaixam como um grande quebra-cabeça científico.
Proforma - As limitações orçamentárias em muitas pesquisas tornam-se muitas vezes uma problemática no desenvolvimento e execução dos estudos arqueológicos. O Scanner 3D, por ser um equipamento importado, ainda não é tão acessível à maior parte dos pesquisadores. Para facilitar e otimizar os custos na construção de imagens tridimensionais, estudantes da Universidade de Cambridge desenvolveram um software que transforma qualquer webcam em um scanner 3D. O programa consiste num sistema de aquisição de um novo modelo, chamado de Proforma, que gera uma imagem 3D on-line (em tempo real), de acordo como a sequência de entrada como está sendo coletada. À medida que o usuário gira o objeto na frente de uma câmera fixa, um modelo parcial é reconstruído e exibido para o usuário, facilitando com isso, uma sequência de imagens a ser desenvolvida e também usada pelo sistema para rastrear robustamente a pose do objeto. Modelos são produzidos rapidamente através de pontos obtidos on-line numa estrutura de estimativa de movimento, seguido por uma etapa probabilística numa escultura triangular para obter uma malha de superfície texturizada do objeto.
Ações de salvaguarda nas ruínas de Laranjeiras necessitam ser realizadas o mais breve possível. Precisamos desenvolver estratégias de aplicação dessas novas tecnologias para buscarmos avanços na arqueologia brasileira contemporânea. Uma metodologia para desenvolver imagens em 3D com rapidez e precisão, como a Prototipagem Rápida, é válida pela redução de limitações na concepção e assimilação de formas complexas. A utilização de técnicas modernas de modelagem tridimensional, através das Tecnologias de Informação e Comunicação, além da salvaguarda, vai contribuir também para o desenvolvimento, divulgação e uma maior durabilidade dos achados arqueológicos. Este trabalho está ainda em fase de desenvolvimento e fará parte de um projeto para o Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Arqueologia da Universidade Federal de Sergipe.
*Publicado no Jornal da Cidade.
Currículo
Janaina Cardoso de Mello é professora do curso de Museologia da Universidade Federal de Sergipe, graduada em História (UERJ) 1997, Mestre em Memória Social e Documentos (UNIRIO/2001), Doutora em História Social (UNIRIO/2009) e profa. do PROARQ/UFS. E-mail: janainamello@uol.com.br.
Raquel de Andrade Dantas Figueirôa é graduada em Comunicação Social, pós-graduada em Comunicação Digital e acadêmica do curso de Museologia da UFS. Este texto pode ser acessado no www.museolo giaufs. com.br. E-mail: r.jor@hotmail.com.