Afonso Nascimento
Na história intelectual de Sergipe, Ibarê Dantas ocupa um lugar de destaque: ou está entre os primeiros ou é o maior intelectual de Sergipe. Cheguei a essa conclusão depois de excluir os sergipanos “expatriados” e depois de analisar, quantitativa e qualitativamente, o conjunto de sua obra materializada em livros, capítulos de livros, artigos em revistas, artigos para a imprensa, entrevistas para jornais, palestras e conferências. A trajetória intelectual de Ibarê tem sido marcada por uma extraordinária coerência e uma inabalável determinação própria daquelas pessoas que sabem o que querem e que se inventam e transformam a vocação científica num projeto de vida profissional.
Ibarê nasceu no seio da elite social sergipana, em Riachão do Dantas. Com efeito, por parte de seu pai e de sua mãe, ele descende de famílias de grandes proprietários rurais. Contraditoriamente (mas como era comum acontecer quanto mais se recua na história sergipana), seus pais não tiveram formação universitária. Ibarê fez seus estudos pré-universitários entre Bahia e Sergipe, passando por pelo menos duas escolas de elite, a saber, o Colégio Maristas, em Salvador, e o Colégio Jackson de Figueiredo, em Aracaju, nos quais quadros dirigentes e intelectuais eram formados nos dois estados.
Ingressou na Faculdade de Direito da UFS em 1965, para onde ia importante contingente da juventude oriunda das classes proprietárias e médias àquela época. Percebendo muito cedo a falta de interesse pelo Direito, mudou de curso no segundo ano: foi do Direito para a História. Para aqueles tempos (e os de hoje também?), tratava-se de uma decisão que parecia absurda, considerando-se a geralmente baixa extração social dos alunos de História e o desprestígio do magistério (secundário pelo menos) nessa área, única ocupação regular então disponível para portadores de seu diploma.
Ainda nesse período universitário inicial, Ibarê exerceu a função de bancário em Sergipe e em São Paulo, trabalhando respectivamente no Banco do Povo (1962) e no Banco do Brasil (1964-1967). Em seguida, já graduado em História e antes de tornar-se professor universitário, foi, por uma única vez na sua trajetória intelectual, professor de História em escola secundária de Aracaju (Colégio Castelo Branco). Quando se submeteu a concurso para professor da UFS, não escolheu o Departamento de História, mas o de Ciências Sociais.
A decisão de fazer seu mestrado em Ciência Política na Universidade de Campinas representou uma extraordinária ruptura na trajetória intelectual de Ibarê – mas nem tanto na sua carreira de pesquisador, pois já saíra formado de Sergipe com a pesquisa que resultou no seu primeiro livro sobre o tenentismo. Na UNICAMP conseguirá as bases teóricas que os estudos em Aracaju não lhe tinham permitido, como será tratado mais adiante. Aqui também merece ser feita a pergunta: por que não se inscreveu num curso de pós-graduação em História? Nesse caso, ele teve essa escolha? Na sua volta a Sergipe, foi mentor intelectual, fundador e professor do Núcleo de Pós-Graduação em Ciências Sociais, embrião do que são hoje o mestrado e o doutorado em Sociologia da UFS. Ali, durante muitos anos, ensinou Teoria do Estado, Estado e Sociedade, etc.
Ibarê tem frequentado congressos e seminários de várias associações acadêmicas. Além disso, tem exercido funções em diversos postos administrativos, mas sempre ligados à área intelectual, como a direção do CEIS no interior do IHGSE, a direção do NPPCS e, ponto mais alto de sua consagração intelectual como historiador, a direção do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, o panteão dos historiadores sergipanos. Nunca foi membro de nenhum partido político em toda a sua vida. A despeito disso, os seus contemporâneos sabem que esteve próximo, primeiro, do PT (simpatizante?) e, mais tarde, do PSDB (de novo simpatizante?). Para além dessas simpatias qualquer que seja o seu grau, entendo que o seu verdadeiro “partido” foi de fazer de sua biblioteca e de sua sala de trabalho um observatório da política sergipana em tempo integral.
Fiz aqui a opção por não fechar os números exatos (mas aproximados) dos trabalhos escritos por Ibarê, pois, não fazendo assim, correr-se-ia o risco de deixar de fora obras não mencionadas nos três currículos consultados, nas bibliotecas e nos arquivos de Sergipe. Quantitativamente falando, ele escreveu oito livros, dos quais quatro pela Tempo Brasileiro (RJ), dois pela Vozes (RJ),um pela UFS (SE) e pela Criação(SE). Na década de 1970, escreveu um, na década de 1980 três, na década de 1990 um, na primeira década do século três até agora. Foram dois, portanto, os seus períodos mais produtivos, correspondentes a sua volta de São Paulo e a sua aposentadoria funcional em 1994. Entre o primeiro livro (1974) e (até agora) último (2010), passaram-se trinta e cinco anos.
A produção bibliográfica de Ibarê quase nunca foi teórica. Com efeito, à exceção de alguns artigos, dedicou-se a testar conceitos na prática da pesquisa empírica. Além disso, sempre se debruçou sobre a história republicana de Sergipe – afora a biografia política do Leandro Maciel (pai), centrada no século XIX. Sempre tratando da política sergipana, a temática de Ibarê foi a seguinte: a) tratou de temas militares em três livros, b)dedicou atenção a partidos e eleições em três; c) abordou o coronelismo em um; d) fez uma biografia política; e) e escreveu uma síntese ( economia, política e cultura) da história de Sergipe em um.
Ibarê trabalhou com longos e curtos períodos históricos. Esses são os casos de Partidos Políticos em Sergipe, 75 anos; História de Sergipe, 111 anos; Leandro Maciel, oitenta e quatro anos; Eleições em Sergipe, quinze anos; O Tenentismo em Sergipe, seis anos; Revolução de 1930, um ano; A Tutela Militar, vinte anos; e Coronelismo, sem periodização explícita. Em síntese, foram quatro trabalhos com longa e curta duração, respectivamente. Escreveu Ibarê cerca de dezesseis artigos acadêmicos. O primeiro (não publicado) tratou da história política de Sergipe de 1889 até 1930 e o último, até agora, sobre o sociólogo e idealizador do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe Florentino Menezes. No caso dos artigos acadêmicos, foram explorados temas indo além da realidade sergipana. Os seus artigos para jornais foram, até aqui, em torno de dezessete. Isso mostra uma razoável participação de Ibarê no debate público sergipano sem tornar-se com isso, todavia, um intelectual midiático.
Professor do Departamento de Direito da UFS.