Seg, 15 de junho de 2020, 08:57

A luz UV pode matar o coronavírus?
Susana de Souza Lalic e Josimari Melo de Santana

Recentemente, a população mundial alcançou patamares de ansiedade extraordinários por causa da COVID-19. O medo da contaminação trouxe à tona uma velha conhecida da ciência: a esterilização com luz ultravioleta (UV). Aplicada desde o início do século passado para inativar germes, a luz UV é usada desde 1906 para tratamento de água e em diferentes locais onde a esterilização é necessária, como, por exemplo, hospitais.

O Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde, preocupado com o uso indiscriminado e incorreto da luz UV, se uniu a professores do Curso de Física Médica da UFS, especialistas nesse tema, para prestar informações à sociedade sergipana.

A primeira coisa a ser considerada é que apenas a luz UV do tipo C (UVC) pode desativar de forma confiável os vírus e bactérias. A luz UV que atinge a superfície da Terra é menos energética. Dentre as dezenas de equipamentos disponíveis no mercado atual, ao comprar um produto para esterilização UV, luz que não somos capazes de enxergar, devemos ter certeza da sua qualidade. Ele deve emitir a luz UVC, que é produzida por lâmpadas especiais, chamadas de germicidas. É preciso ter cautela, pois alguns produtos disponíveis no mercado e anunciados como germicidas não emitem luz UVC.

A luz UVC é comumente aplicada em desinfecção de água e superfícies em hospitais, empresas farmacêuticas e laboratórios de pesquisa. Essa luz é absorvida pelas moléculas que formam o DNA nos germes, impedindo a replicação de vírus e bactérias.

Como qualquer sistema de desinfecção, os dispositivos UVC devem ser usados adequadamente para serem seguros. A eficácia da desinfecção é determinada pela dose de luz UVC à qual a superfície foi exposta. Essa dose depende da potência da lâmpada, da distância até o objeto a ser desinfetado e do tempo a que se expõe à luz UVC. Para lâmpadas potentes e superfícies próximas, o tempo pode ser tão curto quanto alguns segundos. Mas se a lâmpada usada não é muito potente ou se a superfície está a uma distância considerável, talvez sejam necessários vários minutos ou horas de exposição.

Pode ser muito mais danosa para o usuário a falsa sensação de segurança por achar que a superfície foi desinfetada, porém a mesma ainda contenha germes. Por isso, o equipamento emissor de luz UVC deve ter instruções claras, detalhando a que distância e por quanto tempo deve ser usado, garantindo que a dose correta seja aplicada para inativar os germes.

Ainda, deve-se considerar que apenas as superfícies iluminadas serão desinfetadas. A Associação Internacional de Ultravioleta (IUVA) alerta que se os raios UV não atingirem toda a superfície, as partes sombreadas poderão não receber luz UV suficiente para a desinfecção.

Mas se os germes podem ser inativados com a luz UVC, muitas pessoas começaram a perguntar: por que, então, não usamos simplesmente essas luzes para tratar pacientes com COVID-19 ou para esterilizar as mãos diretamente ou, ainda, as colocamos nos estabelecimentos comerciais, hospitais ou escolas para esterilizar os ambientes?

Até mesmo o presidente americano sugeriu um possível uso de luz UV para tratar pacientes. Mas a resposta para essas perguntas é uma só: não podemos nos expor diretamente a esse tipo de luz. Ela é extremamente perigosa!

Do mesmo jeito que a luz UVC danifica o DNA dos germes, também pode causar danos aos seres humanos e animais. Dependendo da sua intensidade, pode induzir uma reação grave nos olhos e na pele, como queimaduras solares, em apenas alguns segundos de exposição, podendo gerar catarata e câncer.

Portanto, jamais se exponha diretamente à luz UVC. Alguns dispositivos também produzem ozônio, que é tóxico, como parte de seu ciclo, outros produzem luz e calor. Portanto, em geral, a segurança precisa ser considerada ao manusear todos os dispositivos de desinfecção. Essas considerações devem ser abordadas no manual de operações, no treinamento do usuário e na conformidade de segurança apropriada.

É possível que a presença de fendas microscópicas em superfícies planas iniba a desinfecção, como ocorre com tecidos, que podem exigir doses bem mais altas. Esse é um problema que está sendo pesquisado também na Universidade Federal de Sergipe. Desenvolvemos uma cabine de desinfecção de máscaras faciais descartáveis de nível N95. Ela se destina a proteger o usuário contra a inalação de agentes infecciosos transmissíveis pelo ar e também contra o risco de transmissão por gotículas.

A atual pandemia por COVID-19 levou a uma escassez significativa desse equipamento de proteção individual. Assim, muitos profissionais tiveram que estender o uso das suas máscaras, ou mesmo reutilizar a mesma máscara diversas vezes. Entretanto, as máscaras podem conter vírus, sendo recomendada sua desinfecção. Soluções alcoólicas e soluções à base de cloro testadas reduziram a eficiência de filtração das máscaras.

O método de desinfecção com luz UVC, recomentado pelo governo americano e por fabricantes de máscaras N95, mostrou que, além de ser capaz de reduzir consideravelmente os patógenos da superfície iluminada, não afetou a eficiência de filtragem até doses bastante altas. Nossa equipe desenvolveu um equipamento de desinfecção de máscaras na UFS, que além de ser capaz de entregar doses indicadas em cerca de 5 minutos de tratamento, ainda foi capaz de baixar sensivelmente o seu custo em relação a produtos disponíveis no mercado. Novos produtos com o objetivo de mitigar a contaminação em diversos setores estão sendo desenvolvidos e, em breve, estarão disponíveis.

Profa. Dra. Susana de Souza Lalic

Professora Associada do Departamento de Física da Universidade Federal de Sergipe. Programa de Pós-graduação em Física. Grupo de Física Médica

Profa. Dra. Josimari Melo de Santana

Professora Associada do Departamento de Fisioterapia da Universidade Federal de Sergipe. Programas de Pós-graduação em Ciências da Saúde e Ciências Fisiológicas.

Texto originalmente publicado no Jornal da Cidade, em 13/06/2020.


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