Abel Victor e Josafá Neto | Rádio UFS - As altas taxas de letalidade da covid-19 nas zonas Norte e Oeste de Aracaju estão relacionadas à condição de vida da população em bairros mais pobres, a partir de fatores como educação, renda e moradia. É o que mostra o artigo publicado por pesquisadores da Universidade Federal de Sergipe (UFS), nesta quinta-feira, 6, no Journal of Travel Medicine. A revista científica da International Society of Travel Medicine tem fator de impacto 7.01, considerado alto.
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Com a população da capital do estado estimada em 657.053 habitantes, segundo o IBGE, a pesquisa levou em conta a taxa de alfabetização de 93,7% da população, o número médio de habitantes por domicílio de 3,37, a proporção de domicílios de baixa renda de 42,9%, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 0,770, e a distribuição dos 42 bairros em quatro zonas urbanas (Norte (13), Sul (10), Leste (11) e Oeste (8)).
Conforme os boletins epidemiológios do município até o dia 14 de julho, a taxa de incidência era de 322,8 casos para cada 10 mil habitantes, e a de letalidade de 2%. Até então, Aracaju tinha registrado 21.207 casos e 429 mortes em decorrência da doença.
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A partir desses dados, para avaliar o nível de desigualdade por área, foi calculado o ICV. O Índice de Condição de Vida é determinado a partir da pontuação de três fatores: educação (proporção de domicílios encabeçados por pessoas analfabetas), renda (proporção de domicílios com ganhos menores de ¼ do salário mínimo per capita) e moradia (proporção de domicílios em aglomerados subnormais, a exemplo de favelas, lotes, vilarejos, etc). O índice varia entre 3 e 90, sendo que de 3 a 24 é considerado alto, 25 a 44 é intermediário, 45 a 60 é baixo, e, por fim, 62 a 90 é muito baixo. Isso significa que quanto maior é o índice, pior é a condição de vida daquela população.
Os 42 bairros de Aracaju foram agrupados pelas faixas do ICV. Nisso, 10 bairros da capital sergipana foram classificados com índice alto (8 da Leste, 1 da Oeste, 1 da Sul e 0 da Norte); 10 intermediários (3 da Leste, 2 da Oeste, 4 da Sul e 1 da Norte); 10 baixos (0 da Leste, 3 da Oeste, 2 da Sul e 5 da Norte), e 12 muito baixos (0 da Leste, 2 da Oeste, 3 da Sul e 7 da Norte). Nessas faixas, as taxas de letalidade e incidência da doença foram 0,8% e 398,4, 1,2% e 195, 1,7% e 248,2, e 2% e 193,4, respectivamente.
Depois de analisar os dados epidemiológicos e sociais por zona urbana, os pesquisadores concluíram que a taxa de letalidade do novo coronavírus em Aracaju é duas vezes maior em bairros com IVC baixo em comparação a localidades com IVC alto.
"Geograficamente, as maiores estimativas de letalidade do município foram observadas nas zonas Norte e Oeste, que têm um grande número de bairros socioeconômicos desfavorecidos. Aproximadamente, 57% dos bairros (12 de 21) nessas zonas tinham taxa de letalidade superior a 1,5%," explica um dos autores do estudo e coordenador do Laboratório de Patologia Investigativa da UFS, professor Paulo Martins Filho.
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Ele ainda ressalta que a diferença entre a incidência de casos e a taxa de letalidade da doença é resultado das condições precárias de vida e da co-ocorrência de doenças não-transmissíveis, uma vez que "as pessoas mais vulneráveis têm menos possibilidade de ter “educação, saneamento adequado, acesso a água limpa para lavar as mãos, oportunidade de trabalhar em escritório em casa e acesso aos cuidados de saúde."
Outro aspecto observado é a dificuldade das comunidades mais vulneráveis em manter as medidas de distanciamento social, a fim de evitar a propagação do novo vírus respiratório. "As pessoas pobres têm maior probabilidade de viver em casas lotadas e apresentam condições médicas subjacentes, incluindo hipertensão e diabetes que são considerados fatores de risco severo para o novo coronavírus," pontua o pesquisador.
A pandemia revela "desigualdades históricas e as comunidades pobres mostraram recursos limitados de testes e taxas mais altas de fatalidade da covid-19 em comparação com as comunidades com melhores condições de vida," complementa.
Como os dados foram obtidos pelo sistema de vigilância do município e diante da provável subnotificação de casos da doença, os autores ressalvam, por conta disso, a limitação da análise. No entanto, a publicação ratifica que as "descobertas mostraram que os bairros mais pobres têm registros mais baixos de covid-19, mas taxas mais altas de fatalidade em comparação com os bairros com melhores condições de vida."
Além de Paulo Ricardo Saquete Martins Filho, o novo estudo epidemiológico desenvolvido no âmbito do Projeto EpiSergipe foi assinado pelos professores Adriano Antunes Araújo e Lucindo Quintans Júnior (UFS) e Victor Santana Santos (UFAL).