Um grupo de pesquisadores da Universidade Federal de Sergipe está realizando a prospecção de leveduras para a fabricação de cerveja em níveis artesanal e industrial, a partir de frutas nativas de Sergipe. Os cientistas conseguiram isolar cerca de 15 leveduras com potencial de avançar para as etapas seguintes da produção da bebida, a partir de frutos como a mangaba e o caju - este é, na verdade, um pseudofruto, já que o fruto é a castanha.
As leveduras são os microorganismos responsáveis, no caso da produção de cerveja, pela fermentação do açúcar do malte. Esse processo tanto produz o álcool, quanto contribui para aspectos sensoriais da bebida, como o aroma e o sabor.
“A Saccharomyces cerevisiae [nome científico da levedura] não tem um nicho ambiental definido, ela está no ambiente, pode ser encontrada no solo, na água, enfim, ela está dispersa pelo ambiente. E a gente sabe que boa parte dessas leveduras podem ser encontradas também em frutos, já que esses frutos contêm fontes de carbono importantes, açúcares fermentáveis importantes”, explica Flávio Barbosa, professor do Departamento de Morfologia e líder do estudo.
“Aí a gente tentou, então, lançar mão dessa ideia de buscar leveduras realmente ‘indígenas’ - quando eu falo indígenas, [refere-se a] autóctones, daqui, aclimatadas, ou seja, que vivem já no ecossistema sergipano”, conta. “E começamos a coletar, então, os nossos frutos por todo estado - caju, mangaba, umbu, acerola - e a partir desses frutos promovemos o isolamento dessas leveduras”, acrescenta.
Isolar a levedura, no entanto, não é garantia de que ela servirá para a produção de cerveja. “Às vezes a gente tem 30, 40 isoladas, e dessas 30 ou 40 só uma vai ter capacidade realmente de ser utilizada para a produção de cerveja”, pontua o professor.
Flávio observa que a pesquisa não é uma ideia pioneira, mas a formação de um banco de leveduras de frutas nativas é inédita no estado. “É o primeiro banco de leveduras cervejeiras do estado de Sergipe e talvez um dos poucos ainda em construção no país”, avalia.
O grupo de pesquisa tem parceria com a Associação dos Cervejeiros Artesanais de Sergipe (Acerva), que ajuda a implementar e alimentar o banco com leveduras de fora do estado. Os cervejeiros da associação também recebem leveduras do grupo de pesquisa para testarem em suas produções.
A levedura e o mercado
O Laboratório de Microbiologia e Tecnologia Cervejeira foi criado com a finalidade de desenvolver pesquisas e produzir tecnologias voltadas para o crescente mercado cervejeiro. É um movimento internacional, do qual a Europa é berço e nos Estados Unidos está se consolidando, segundo Flávio Barbosa, e que no Brasil está se expandindo.
“Hoje, a gente tem mais de 8 mil cervejarias artesanais nos Estados Unidos e o Brasil já ultrapassou, nesta última década (principalmente nos dois a três últimos anos) mais de mil cervejarias registradas”, aponta.
“Então, à medida que essa oferta de cervejarias aumenta, a oferta também por serviços - não só leveduras, mas os insumos como um todo (o próprio malte, lúpulo) - passou a ser algo muito maior, passa a ser muito mais exigido, o mercado se torna mais exigente”, observa.
Foi essa perspectiva de mercado, além do interesse em diversificar o conhecimento, que levou o então estudante de Farmácia Heráclito Menezes Júnior a participar da pesquisa por meio de uma bolsa do PIBIC - antes, ele já havia atuado em pesquisas sobre inflamação e perfil imunológico de camundongos obesos. Estudar as leveduras permitiu expandir o conhecimento para a área da microbiologia.
“Sempre tentei me orientar em questões de afinidades e habilidades com o conteúdo, e acabei me identificando tanto com a afinidade do conhecimento, quanto com a curiosidade. E juntando isso, acho que eu encontrei na produção de cerveja algo que pudesse juntar isso - juntamente com a minha profissão, já que o farmacêutico também pode estar presente em plantas industriais na parte de pesquisa e desenvolvimento de serviços”, diz Heráclito, agora graduado.
O farmacêutico acredita que a produção de cerveja é uma área promissora, mesmo se tratando da conjuntura local.
“É um mercado muito interessante, do ponto de vista profissional, porque são boas carreiras, em empresas grandes e consolidadas, além também da própria produção local: a possibilidade de empreender, de criar um rótulo ou vários rótulos locais, daqui de Sergipe. O mercado da cerveja abre muitas oportunidades e perspectivas para a questão profissional”, avalia Heráclito.
Flávio Barbosa confirma a perspectiva do ex-orientando. A expectativa do professor é de que o banco de leveduras concretize seu potencial e possa ser utilizado pela indústria cervejeira, em uma parceria com a universidade. “É o que a gente chama de transferência de tecnologia, é essa ponte que a gente sonha e eu espero que, em um prazo muito curto, a gente consiga verdadeiramente fazer”, conclui.
Marcilio Costa
comunica@ufs.br
Confira nossa conversa com os pesquisadores