“Se a gente tivesse que traçar um perfil das pessoas que foram mais prejudicadas ao longo da pandemia, que sofreram mais em termos de mudança de comportamento e saúde mental, foram mulheres mais jovens, de menores níveis socioeconômicos”.
Esta é a análise de um dos principais resultados da ConVid Pesquisa de Comportamentos, pelo olhar do pesquisador Danilo Rodrigues Pereira da Silva. O estudo foi coordenado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e teve a participação de Danilo como um dos investigadores. Ele é docente do Departamento de Educação Física da UFS e um dos coordenadores do Centro de Investigação em Saúde, Atividade Física e Esporte (SAFE).
“[A Convid] foi uma pesquisa de abrangência nacional, coordenada pela Fiocruz do Rio de Janeiro, em parceria com a Unicamp [Universidade de Campinas] e com a UFMG [Universidade Federal de Minas Gerais]”, descreve Danilo. “Elas compuseram um grupo de pesquisadores do Brasil todo para que de fato a gente pudesse compreender as mudanças de comportamento ao longo desse período da pandemia”.
Aproximadamente 45 mil adultos e 10 mil adolescentes responderam os questionários. Os resultados foram reunidos em uma grande base de dados, disponível a outros pesquisadores, permitindo diversas leituras e análises.
Para Danilo, as consequências da pandemia em relação ao comportamento envolvem hábitos negativos, como a diminuição de atividades físicas e aumento no consumo de álcool e tabaco, relatos de prejuízos quanto à saúde mental, elevação no consumo de açúcar, aumento do tempo em telas e distúrbios no sono. E o público que mais sentiu esses efeitos, como citamos no início desta reportagem, tende a ser as mulheres jovens e com menor nível socioeconômico.
Sedentarismo e transtornos de humor
A pesquisa com os adultos foi realizada entre abril e maio, ou seja, nos primeiros meses em que foi declarada a pandemia no Brasil, exatamente o período em que o isolamento social foi mais adotado pelas pessoas em idade laboral.
“Nós pegamos uma fase realmente mais restritiva e confirmamos muito daquelas hipóteses iniciais em termos de mudança de comportamentos, então as pessoas passaram a fazer menos atividade física, ficar muito mais tempo em telas - porque o nosso convívio, nossa vida social, passaram a ser muito conduzida através das telas”, conta Danilo.
“Tivemos mudanças importantes em hábitos negativos, como o aumento de [consumo de] produtos ultraprocessados, produtos açucarados, que têm uma maior facilidade de serem armazenados de uma maneira geral. Também identificamos aumento, por exemplo, em consumo de tabaco - de fumo - e também de bebidas alcoólicas ao longo desse primeiro momento”, acrescenta.
Os pesquisadores perceberam também crescimento dos índices de transtornos de humor. “Nós tivemos, por exemplo, [indicadores de] sentimento de solidão, sentimento de tristeza dentro da pandemia”, diz o professor.
A percepção de que esses índices eram mais evidenciados entre os adultos mais jovens, especialmente as mulheres, levou os cientistas a uma nova perspectiva para o estudo.
“Curioso, porque a nossa hipótese era de que talvez grupos mais velhos, os mais idosos com morbidades, que era uma preocupação desde o início da pandemia, fossem aqueles que mais se preocupassem, tivessem sido mais afetados, mas não foi o que nós observamos”, relembra.
“Essa análise geral nos fez entender que talvez aquelas pessoas que tivessem idade de fato mais produtivas, tivessem ainda muito mais perspectivas em termos de buscar uma profissão, de ter ainda muito mais objetivos, elas foram muito mais afetadas, o que nos chamou a atenção para a condução de uma pesquisa também com adolescentes”, conta Danilo.
Menos socialização, mais telas
Os dados das respostas dos adolescentes foram distribuídos em dois grupos: um com idades de 12 a 15 anos e o outro com os de 16 e 17 anos.
“Dentre os adolescentes, o grupo dos mais velhos eram os mais afetados. Então percebemos também uma grande proporção de jovens se referir a um sentimento constante de tristeza, sentir falta dos amigos, falta dos professores, sentimento de solidão”, diz o pesquisador.
Se no grupo de adultos, as mulheres mais jovens foram as mais afetadas em sua saúde mental, entre os adolescentes foram as meninas mais “velhas” que mais sentiram a pandemia.
“Tão (ou mais) preocupante que isso foi o fato de eles [os adolescentes] estarem em casa e as exposições às telas. Nós tivemos, por exemplo, mais de 60% dos jovens que participaram da nossa pesquisa que reportaram ficar mais de 4 horas em frente a telas diversas, isso fora o período em que eles estavam em atividades da escola, muitas vezes nesse período de restrição conduzidas também em telas”, alerta Danilo.
“A gente sabe que a exposição excessiva a tela, sobretudo em períodos noturnos, pode oferecer um prejuízo para o tempo de sono e a qualidade do sono de jovens - e das pessoas geral , mas especialmente dos jovens -, [isso] tem relação Direta com indicadores de saúde mental”, destaca.
Segundo Danilo, a pesquisa aponta as perspectivas que devem ser observadas para a execução de políticas públicas, visando à proteção sobretudo dos mais jovens, especialmente das mulheres, observando-se também a realidade socioeconômica desse público.
“Esses dados, inicialmente, nos mostram que há grupos da população que precisam de mais atenção em termos de políticas públicas. Nossa pesquisa, de uma forma geral, identificou que há grupos prioritários para políticas públicas, de mitigação dessas consequências negativas da pandemia”, defende.
Para aumentar os desafios do pós-pandemia, Danilo alerta também que a pesquisa mostrou que muitos jovens se sentiam desestimulados com as aulas remotas. “Apenas um em cada quatro reportou que estava satisfeito e que estava entendendo bem os conteúdos passados pela escola”, completa.
“Isso nos preocupa sobretudo nesse retorno, em que as escolas também vão ter que estar preparadas para receber um aluno que talvez não teve o desenvolvimento esperado. E aí a gente vai criando uma bola de neve que é: um aluno que traz, talvez, algumas marcas negativas da pandemia, somado a esse desenvolvimento acadêmico, escolar, prejudicado. Sem dúvida, o período pós-pandemia vai ser muito desafiador”, pressente o pesquisador.
Preparados para essa etapa futura, os pesquisadores da ConVid já planejam uma nova pesquisa abrangente visando à retomada da vida “normal”, especialmente entre os brasileiros em idade escolar.
Marcilio Costa
comunica@ufs.br
Entrevista com o pesquisador Danilo Rodrigues Pereira da Silva