A divulgação do resultado do processo de recredenciamento da Universidade Federal de Sergipe com atribuição de nota máxima pelo Ministério da Educação culmina uma série de boas notícias acerca do desenvolvimento de nossa instituição. Ultimamente tivemos destaques na produção científica, na obtenção de patentes e no reconhecimento da qualidade de cursos de graduação por entidades nacionais, a exemplo do curso de Direito recorrentemente recomendado pela Ordem dos Advogados do Brasil.
O recredenciamento institucional é um procedimento muito mais abrangente, na medida que diversos aspectos da instituição são examinados simultaneamente, a partir de cinco eixos: Planejamento e avaliação institucional, Desenvolvimento institucional, Políticas acadêmicas, Políticas de gestão e Infraestrutura. A notícia publicada na página oficial da UFS destacou que no recredenciamento anterior a UFS obtivera o conceito 3, o mínimo para a manutenção, sem monitoramento especial, do status de Universidade.
Antes do processo de expansão e interiorização da UFS, de fato, pairavam ameaças e desconfianças sobre suas credenciais acadêmicas e institucionais. Como se sabe, o desenvolvimento das universidades é muito tardio no Brasil em comparação com os países ocidentais, mesmo os que não atingiram elevados padrões de desenvolvimento socioeconômico. Data de 1934 a fundação da primeira universidade brasileira que sobreviveu aos males das turbulências iniciais, a Universidade de São Paulo. Seguiram-se quatro ciclos de expansão das universidades federais, no Governo Vargas, no Governo Kubtischek , nos Governos Militares e no Governo Lula. A Universidade Federal de Sergipe foi instituída incorporando as faculdades existentes em Aracaju, no ano de 1968.
A partir da década de 1980 proliferam avaliações críticas sobre os custos, a eficiência e o modelo institucional das universidades públicas. Particularmente questionada, era a adoção de um padrão único de constituição e avaliação das universidades, inspirada no modelo consagrado das universidades de pesquisa, as quais além de incorporar como parte fundamental de suas atividades a pesquisa, deveriam desenvolver de forma indissociável, o ensino e a extensão. Sugeria-se que algumas instituições poderiam se dedicar unicamente ao ensino, reservando-se o modelo mais ambicioso a poucas instituições já consolidadas.
Apesar da ameaça de redução dos atributos inerentes às universidades aderentes ao modelo ideal e das resistências de suas comunidades, muitas universidades tinham dificuldades estruturais para cumprir essa missão de múltiplas atividades indissociáveis. O modelo pressupunha um corpo docente contratado em regime de dedicação exclusiva, com elevada formação acadêmica desenhada para o exercício da pesquisa e interações com a sociedade e o mundo do trabalho que viabilizassem atividades de extensão significativas. Parte do corpo docente, especialmente das universidades mais recentes, constituídas a partir de faculdades isoladas mais antigas e geralmente dedicadas a formação de profissões com maior prestígio social não se adequavam a este etos universitário e/ou não conseguiriam remuneração do trabalho docente compatíveis com suas aspirações e status social. Também pesava o aspecto construtivo das universidades.
O modelo ideal pressupunha um campus universitário que integrasse todas as antigas faculdades e a criação de novos organismos como laboratórios mais complexos e eventualmente multidisciplinares, biblioteca central, grandes pavilhões de salas de aula, refeitórios para os estudantes, órgãos de administração central etc. Este que parecia um obstáculo intransponível foi vencido, com algumas resistências, pela construção de novos campi universitários nas áreas periféricas das cidades que sediavam universidades.
Adequar num prazo curto o corpo docente estável, e de certa forma imprescindível para a sociedade local, aos requisitos implícitos no modelo ideal de universidade era a tarefa mais difícil. Esta somente seria cumprida se uma geração de dirigentes compartilhasse o ideal da universidade de pesquisa e de outros predicados que eram agregados.
O crucial seria construir uma estratégia que permitisse que todas as oportunidades de renovação do corpo docente fossem aderentes ao projeto de universidade de pesquisa. A Universidade Federal de Sergipe é um caso exemplar de compromisso duradouro com esse ideal. Nosso primeiro estatuto previa a contratação temporária de auxiliares de ensino e um prazo máximo para que estes obtivessem o título de mestre, sem a qual o contrato não seria renovado, e a sinalização de uma carreira docente vinculada à titulação acadêmica. Não obstante a observação desses dispositivos não ter sido sempre efetiva, foi um mecanismo indutor poderoso. Um certo arrefecimento e maiores dificuldades para a expansão do corpo docente vocacionado para a pesquisa foi provocado pela unificação nacional da carreira docente das universidades federais juntamente com a redução dos investimentos em educação superior concomitante à longa crise fiscal do Estado Brasileiros a partir dos anos 1980.
Considero um momento decisivo para a transição da Universidade Federal de Sergipe ao modelo de universidade de pesquisa a adesão ao Programa de Expansão e Reestruturação das Universidades Federais (REUNI). Esta foi uma oportunidade única de expandir o corpo docente, grosso modo passamos do patamar de 400 docentes para 1.500, de acelerar a transição do corpo docente com formação para a pesquisa, de incorporar à universidade áreas do conhecimento ainda não contempladas, de se expandir para os municípios do interior, de se tornar mais inclusiva. Não é preciso mencionar que, democraticamente, intolerâncias tiveram que ser superadas.
Não se pode mais questionar o fato de termos construído uma universidade inspirada pelos mais elevados valores derivados do iluminismo. Mas o sentimento de inadequação, de insuficiência, de atavismo sempre permeará a universidade. Sua capacidade de compreender o mundo e de propor caminhos, de recorrer à experiência e de inventar lhe concedeu o atributo de instituição longeva.
A Universidade Federal de Sergipe tem motivos para comemorar e permanecer vigilante para o seu contínuo aperfeiçoamento.
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Josué Modesto foi reitor da UFS, por dois mandatos, no período de 2004-2012.