Ter, 04 de junho de 2024, 11:07

Relevância do Programa Nacional de Alimentação Escolar no combate à insegurança alimentar em Sergipe
Rosalvo Ferreira é professor do Departamento de Economia e vice-reitor da UFS

Este texto apresenta uma breve análise acerca do volume de recursos e do quantitativo de alunos assistidos pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), no ano de 2023, referentes aos seguintes subprogramas: ensino infantil (creche e pré-escola), de jovens e adultos (EJA), quilombolas e indígenas.1

O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), coordenado pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), órgão vinculado ao Ministério da Educação (MEC) é, sem dúvida, o principal instrumento de política pública de apoio à segurança alimentar de crianças, adolescentes, jovens e adultos. O PNAE é constituído por 9 subprogramas, abrangendo creche, pré-escola, ensino fundamental, ensino médio (turno único e integral), educação especializada, ensino de jovens adultos, ensino para comunidades quilombolas e indígenas.2

O PNAE alcançou o valor de mais de 5,2 bilhões de reais em recursos destinados às redes municipais e estaduais de todo o país, no ano de 2023. O total de alunos do país foi de quase 40 milhões de crianças, jovens e adultos. O valor per capita anual por aluno foi de R$ 132,28, o que corresponde a um valor per capita mensal de R$ 11,02 por aluno. Se considerarmos 22 dias letivos a cada mês, o valor destinado à aquisição de alimentos para a merenda escolar foi de 50 centavos por aluno, em média.


Rosalvo Ferreira é professor do Departamento de Economia da UFS. (foto: Schirlene Reis/Ascom UFS)
Rosalvo Ferreira é professor do Departamento de Economia da UFS. (foto: Schirlene Reis/Ascom UFS)

O repasse de recursos às prefeituras dos municípios e às secretarias de educação dos estados tem por base os seguintes valores por aluno3:

  • Educação de Jovens e Adultos (EJA) em período parcial: R$ 0,41;  

  • Ensino fundamental e Ensino médio, em período parcial: R$ 0,50;  

  • Pré-escola, em período parcial, exceto para matriculados em escolas localizadas em áreas indígenas e remanescentes de quilombos: R$ 0,72;  

  • Educação Básica em áreas indígenas e remanescentes de quilombos, em período parcial: R$ 0,86;  

  • Escolas de tempo integral, com permanência mínima de 7 horas na escola ou em atividades escolares: R$ 1,37;  

  • Creches, inclusive as localizadas em áreas indígenas e remanescentes de quilombos: R$ 1,37;  

  • Programa de Fomento às Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral, com complementação financeira de forma a totalizar o valor per capita em: R$ 2,56;  

  • Estudantes que frequentam, no contraturno, o Atendimento Educacional Especializado (AEE): R$ 0,68. 

Ao se considerar os repasses de recursos do PNAE em termos regionais, o Nordeste recebeu R$ 1.631.285.280,07 (30,98%) do valor total do Brasil, referente a um quantitativo de 11.770.951 (29,57%) do total de alunos do país, em 2023. Os estados da Bahia, Ceará, Maranhão e Pernambuco receberam juntos 72% do valor total e responderam por 71% do número de alunos da região Nordeste. Em termos absolutos, há uma forte correspondência entre o valor repassado do PNAE com o número de matrículas efetivadas. O número de alunos matriculados determina, em geral, o valor total recebido, embora em termos per capita esta relação não seja observada, em razão da diferença do valor de repasse por aluno em cada subprograma.

Com base nos dados do PNAE, do ano de 2023, para os estados do Nordeste, constata-se que o Ceará foi o estado que apresentou desempenho diferenciado em relação aos demais estados quanto alcance da alimentação escolar, seja em razão da execução de todos os 9 subprogramas, seja quanto ao número de alunos assistidos em cada subprograma, destacando-se pelo maior valor per capita por aluno da região Nordeste. Enquanto o Brasil teve um valor per capita de R$ 132,28 e o Nordeste de R$ 138,59, o estado do Ceará apresentou um valor per capita de R$ 164,67. Não fosse o desempenho diferenciado do Ceará, a região Nordeste, certamente, não teria o valor per capita maior que o do Brasil, em 2023.

Entre os estados do Nordeste, Sergipe teve o menor valor de repasse do PNAE, em razão do menor número de alunos assistidos em comparação com os demais estados da região. O número de alunos do estado de Sergipe assistidos pelo PNAE foi de 444.182, correspondendo a 3,77% do total do Nordeste. O valor total do repasse da alimentação escolar foi de R$ 58.063.363,00, correspondendo a 3,56% do valor repassado do PNAE para a região Nordeste. Os municípios sergipanos receberam R$ 34.612.102,40 diretamente do FNDE, órgão responsável pela execução do PNAE, e a Secretaria de Educação Estadual recebeu R$ 23.451,260,60. Em termos percentuais, 60% dos recursos do PNAE foram executados diretamente pelas prefeituras municipais e o restante (40%) foi executado pela Secretaria de Educação de Sergipe, em 2023.

Em relação ao quantitativo de alunos assistidos pelo PNAE, a gestão municipal recebeu recursos referentes a 268.032 alunos, correspondendo a cerca de 60% do total de alunos do estado. Por sua vez, a Secretaria de Educação recebeu recursos referentes ao cadastro de 176.150 alunos, correspondendo a 40% do total de alunos4. Considerando-se a razão entre o valor total do repasse e o quantitativo total de alunos assistidos pelo PNAE, em 2023, se obtém o valor per capita anual de R$ 130,72, o que representou um valor individual por dia letivo de 65 centavos5.

A exceção da capital Aracaju, tendo registrado apenas 32 alunos, nenhum outro município executou recursos para alimentação de alunos matriculados no ensino médio, sendo essa uma ação quase exclusiva da Secretaria de Educação Estadual. A rede municipal foi responsável, em 2023, pelo recebimento direto de recursos do PNAE referentes ao ensino infantil (creches e pré-escola), fundamental, de jovens e adultos, educação especializada e quilombolas. A Secretaria de Educação do Estado, além do ensino médio, atuou também na gestão de recursos da alimentação escolar ao nível do ensino fundamental, de jovens e adultos, quilombolas, indígenas e educação especializada, ou seja, em 7 dos 9 subprogramas do PNAE.

Ao se proceder a análise dos dados para o subprograma do PNAE-Creche, constata-se que no estado de Sergipe, em 2023, foram atendidas 24.378 crianças, correspondendo a 9% do total de alunos de todos os subprogramas executados diretamente pelas prefeituras municipais. Em termos de valor, o repasse para o PNAE-Creche correspondeu a 17% do valor recebido pelas prefeituras sergipanas. Chama atenção o fato de que 3 municípios sergipanos não receberam repasse de recursos do PNAE referentes a creches e 14 municípios tiveram, cada um, menos de 100 crianças assistidas com recursos do PNAE-Creche, em 2023.

As prefeituras dos municípios de Feira Nova, Gararu e Nossa Senhora de Lourdes não tiveram repasse de recursos para alimentação em creches, em 2023. Tal situação pode ser explicada pela hipótese de inexistência de creches ou por falta de cadastro das crianças nos sistemas do Governo Federal referentes ao PNAE, no ano de 2023. Numa outra hipótese, a situação evidencia a pouca relevância que ainda se dar ao funcionamento de creches em municípios com pequeno número de habitantes, a despeito de que os índices de Desenvolvimento Humano desses municípios estejam entre os mais baixos do estado de Sergipe.

Do total de municípios sergipanos que receberam recursos do PNAE-Creche, 30 (42%) tiveram repasse inferior a R$ 50 mil reais para a alimentação em creches públicas municipais, no ano de 2023. Os valores recebidos pelos municípios de Pirambu, Itabi, Telha, Gracco Cardoso e Pedra Mole, referentes ao PNAE-Creche, foram os mais baixos, correspondendo, em média, a R$ 7 mil reais.6

O maior número de crianças assistidas com o PNAE-Creche foi verificado nos municípios de Aracaju, Nossa Senhora do Socorro, Lagarto, Itabaiana e Estância7. Os 5 municípios responderam por 33% do total de crianças assistidas pelo PNAE-Creche no estado. Aracaju, embora tenha tido o maior número de crianças, não foi o município que, proporcionalmente, recebeu o maior valor para alimentação nas creches do município. O valor per capita anual de Aracaju foi de apenas R$ 54,00, enquanto Nossa Senhora do Socorro obteve um valor per capita anual de R$ 280,00 por criança assistida nas creches do município, correspondendo R$ 1,40 (um real e quarenta centavos) por dia letivo para cada aluno8.

O total de crianças atendidas pelo PNAE-Creche em Sergipe, no ano de 2023, correspondeu a 1% da população do estado. O percentual de crianças com idade de 0 a 3 anos na população sergipana é, de acordo com dados do IBGE, de 6,6%, correspondendo a 146.992 crianças. Ou seja, comparando-se os dados do PNAE-Creche com o da população com idade de 0 a 3 anos, chega-se à conclusão de que mais de 120 mil crianças ainda não têm acesso a creches, o que evidencia o descumprimento da norma legal. Para se ter uma ideia da gravidade da situação da cobertura de alimentação de crianças nas creches de Sergipe, a participação relativa do Estado no quantitativo de crianças assistidas na região Nordeste, em 2023, foi de apenas 3,2%, evidenciando as limitações da ação municipal no tocante à ampliação da oferta de creches, de modo a propiciar maior efetividade no combate à insegurança alimentar de crianças nessa faixa etária.

A situação dos municípios sergipanos em relação ao PNAE-Pré-escola não é diferente da situação da alimentação nas creches. Embora todos os 75 municípios tenham tido repasse de recursos do PNAE referente ao subprograma Pré-escola, 9 municípios registraram menos de 100 alunos matriculados. Os municípios de Amparo do São Francisco, Cumbe, São Miguel do Aleixo, Telha e General Maynard apresentaram os menores quantitativos de crianças de 4 a 5 anos que têm direito à educação pré-escolar. Os municípios que apresentaram os maiores quantitativos de alunos somaram juntos 16.163, correspondendo a 42% do total de 38.111 crianças assistidas pelo PNAE-Pré-escola, no de 2023. Aracaju foi o município que registrou o maior quantitativo, 5.784 crianças, correspondendo a 15% do total do estado de Sergipe.

Quando se analisa o valor repassado relativo ao PNAE-Pré-escola por município, constata-se que 48% dos municípios tiveram um repasse inferior a cinquenta mil reais; 32% receberam entre cinquenta mil reais e 20% tiveram repasse de mais de cem mil reais. Os municípios que tiveram os menores repasses foram, na ordem: Pirambu, Cumbe, Telha e São Miguel do Aleixo. Os valores recebidos por cada um desses 4 municípios foram inferiores a dez mil reais. O município de Pirambu teve um modesto repasse de R$ 3.744,00, o que corresponde a um valor per capita anual por aluno de R$ 18,72. Já os municípios que tiveram os maiores repasses em valor foram, na ordem: Nossa Senhora do Socorro, Lagarto, Itabaiana, Capela e Aracaju. O maior valor per capita anual por aluno foi registrado pelo município de Nossa Senhora do Socorro, R$ 140,33, correspondendo a 70 centavos por aluno a cada dia letivo. A participação relativa de Sergipe na região Nordeste, no tocante à alimentação na modalidade pré-escolar, no ano de 2023, correspondeu a 0,6%, o que mostra a pouca relevância que o ensino pré-escolar tem no estado, com o comprometimento não apenas das etapas seguintes do processo de ensino-aprendizagem, mas também da condição física de um grande contingente de crianças que não dispõem da alimentação em condições nutricionais adequadas nos seus domicílios.

Em relação ao subprograma do PNAE referente ao ensino de jovens e adultos (EJA), Sergipe recebeu um valor total de R$ 3.023.382,60 destinado à alimentação de 39.274 alunos jovens e adultos do PNAE-EJA. O valor per capita anual ficou em R$ 76,98. Os municípios foram responsáveis pela execução de R$ 1.555.625,40, referente ao quantitativo de 21.029 alunos, correspondendo a cerca de 51% do valor recebido pelo estado de Sergipe e por 54% do total de alunos assistidos pelo PNAE-EJA. Já a Secretaria de Educação do Estado foi responsável pela execução de R$ 1.467.756,20, correspondendo a 49% do valor de repasse do PNAE-EJA. Foram vinculados a esse repasse o quantitativo de 18.245, correspondendo a 46% do total de alunos jovens e adultos assistidos em Sergipe, no ano de 2023.

Os municípios com maior número de alunos no PNAE-EJA foram os seguintes: Aracaju, Aquidabã, Ilha das Flores, Laranjeiras e Pedrinhas. O município de Aquidabã teve o maior valor recebido, de R$ 123.402,40, relativo a um total de 1.534 alunos. Considerando o valor per capita anual de R$ 84,44, o município apresentou a melhor performance em se tratando do valor por aluno, correspondendo a 42 centavos para cada aluno por dia letivo.

Não houve registro de alunos no PNAE-EJA para os municípios de Feira Nova, Gracco Cardoso e Ribeirópolis. Excluindo-se esses 3 municípios com zero cadastro no programa, 29% tiveram menos de 100 alunos assistidos e apenas 14% dos municípios registraram mais de 500 alunos assistidos pelo PNA-EJA. Dentre os 72 municípios que receberam repasse do PNAE-EJA, 36% tiveram repasse inferior a 10 mil reais, 50% receberam entre 10 e 40 mil reais e 14% receberam acima de 50 mil reais.

Embora o valor por aluno seja relativamente baixo, a falta de repasse pode implicar em severos prejuízos à alimentação escolar, caso existam alunos frequentando as aulas e que não tenham sido cadastrados no sistema do PNAE. Mais grave é a hipótese de não haver alunos matriculados no EJA ou, quando há, num quantitativo muito baixo, tendo em vista a prevalência de elevadas taxas de analfabetismo e baixo nível de escolaridade em todos os municípios sergipanos. Conforme dados do IBGE, a taxa de analfabetismo da população sergipana é a sétima pior do país, corresponde a 13,8%; enquanto o número de alunos jovens e adultos assistidos pelo PNAE-EJA, em 2023, correspondeu a apenas 1,8% da população sergipana9.

No tocante ao subprograma PNAE-Quilombola, o total de alunos assistidos pelo programa de alimentação escolar correspondeu, em 2023, a 1,4% do total de alunos do estado. Foram 6.118 alunos, sendo 5.139 com repasse dos recursos do PNAE-Quilombola direto aos municípios e 979 alunos com repasse direto para a Secretaria de Educação Estadual. Ou seja, os municípios foram responsáveis por 84% do total de alunos e a Secretaria de Educação por 16%. Os municípios de Santa Luzia do Itanhy, Laranjeiras, Brejo Grande, Canindé do São Francisco e Capela foram os que tiveram maior número de alunos quilombolas assistidos pelo PNAE, respondendo por 66% do quantitativo em relação ao total dos 20 municípios que tiveram registro no PNAE-Quilombola. O número médio de alunos nesses 5 municípios foi de 682, tendo o município de Santa Luzia do Itanhy registrado o maior quantitativo, correspondendo a 1.436 alunos assistidos pelo PNAE-Quilombola.

Em termos do valor repassado, constata-se que dos 20 municípios que tiveram registro no PNAE-Quilombola, 14 (70%) receberam até cinquenta mil reais. Os municípios de Cumbe, Pirambu e Poço Redondo receberam menos que doze mil reais, somando os valores para os 3 municípios. O menor valor foi recebido por Cumbe, R$ 2.412,00, referente a um quantitativo de 9 alunos quilombolas. O maior valor do PNAE-Quilombola foi registrado pelo município de Santa Luzia do Itanhy, R$ 248.547,60, cujo valor per capita anual de R$ 173,08 resultou em 87 centavos por aluno, em 2023. Os municípios responderam diretamente por 86% do valor repassado do PNAE-Quilombola e a Secretaria de Educação (tal qual o cálculo feito para o quantitativo de alunos) respondeu por 14%. Ou seja, as prefeituras municipais receberam relativamente um valor superior ao recebido pela Secretaria de Educação Estadual, em comparação com o quantitativo de alunos inscritos no PNAE-Quilombola.

O fato de apenas 27% dos municípios do estado de Sergipe ter, em 2023, registrado alunos e recebido recursos do PNAE para atender a crianças, jovens ou adultos da população quilombola mostra que o alcance do PNAE-Quilombola ainda não tem o alcance necessário para garantir a efetiva reparação histórica em relação à população negra descendente de escravizados. De acordo com o IBGE, Sergipe possui uma população quilombola de 28 mil pessoas, entretanto, os recursos destinados à alimentação escolar só alcançaram 22% desse total. Ao se comparar o quantitativo de alunos do PNAE-Quilombola com o quantitativo da região Nordeste, Sergipe teve, em 2023, participação de 9%, ainda que o estado ocupe a sexta posição da região em termos do número de pessoas quilombolas10.

A situação da população indígena é tão ou mais grave que a da população quilombola no tocante à alimentação escolar. A execução do subprograma PNAE-Indígena ficou sob responsabilidade exclusiva da Secretaria de Educação Estadual. Foram 89 alunos indígenas assistidos em 2003, cujo repasse financeiro foi de R$ 14.916,40, o que resultou em um valor per capita anual de R$ 167,60, cujo valor por dia letivo foi de 84 centavos por aluno. Além de não haver registro de alunos sob a responsabilidade das prefeituras municipais, os números do PNAE-Indígena em Sergipe representou, em 2023, apenas 0,02% do total de alunos do estado. Em termos do valor, a relação é praticamente a mesma.

De acordo com os dados do Censo Demográfico de 2022, publicado pelo IBGE, a população indígena em Sergipe totaliza 4.708 pessoas. Menor população do país. Ao se relacionar o quantitativo de alunos indígenas assistidos pelo PNAE-Indígena com a população indígena do estado, o programa de alimentação escolar contemplou menos de 2% da população indígena de Sergipe, em 2023. A participação de Sergipe em relação ao Nordeste no tocante à alimentação escolar indígena é de menos de 0,01%, embora a população indígena em Sergipe seja a menor do país, sua participação na população indígena do Nordeste é dez por cento? ou vezes? maior que o percentual de alunos assistidos pelo subprograma PNAE-Indígena no estado.

A análise dos subprogramas do PNAE referentes à educação infantil (creche e pré-escola), ensino de jovens e adultos, de quilombolas e indígenas em Sergipe, no ano de 2023, mostra que ainda há um longo caminho a ser percorrido no tocante ao estabelecimento de metas de maior abrangência e impacto social do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) como estratégia de combate à insegurança alimentar da população, cuja renda não é suficiente para alimentação de todos que compõem a unidade familiar.

Como política pública reconhecida internacionalmente, o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) precisa ser visto no âmbito dos municípios e dos estados como vetor auxiliar à ampliação de oportunidades educacionais, não só pelo fato da permanência das crianças e jovens e adultos nas escolas, mas também porque o direito à alimentação é um valor humano que torna os indivíduos aptos ao exercício da cidadania nos seus diferentes espaços. A fome faz com que os indivíduos se vejam como inúteis socialmente.

Para reduzir a insegurança alimentar e retirar Sergipe da primeira posição nacional, as prefeituras, por meio das secretarias municipais, e o governo estadual, por via da Secretaria de Educação Estadual, precisam urgentemente melhorar a capacidade técnica das unidades responsáveis pelo sistema de informações dos alunos junto ao Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), visando dispor de uma base segura de dados e o controle efetivo do número de alunos nas diferentes modalidades de ensino das redes municipais e estadual. A ampliação do número de alunos assistidos significa maior número de alunos matriculados, não necessariamente frequentando a escola, daí a importância do controle social para que o valor recebido corresponda rigorosamente ao número de alunos em sala de aula. A correta aplicação dos recursos é questão basilar para o efetivo alcance da alimentação escolar. Também é estratégico para o desenvolvimento local e para a segurança alimentar das comunidades que a aquisição dos alimentos seja feita diretamente da agricultura familiar, conforme disposto legal11.

Do ponto do governo federal, é fundamental recomposição dos valores e ampliação de recursos de todas as modalidades do Programa de Alimentação Escolar, de modo que a quantidade e qualidade dos alimentos sejam adequadas, do ponto de vista nutricional, e que seja estendido para todos os 363 dias do ano. Apesar de os valores dos subprogramas do PNAE terem sido reajustados em pouco mais de 30% no ano de 2023, ainda estão abaixo do necessário para que a alimentação escolar ocorra sob condições nutricionais adequadas. Além do baixo valor por aluno, o repasse do PNAE tem cobertura de 200 dias letivos por ano, limitando-se a 10 repasses. Os valores per capita da alimentação escolar deveriam ser definidos por legislação específica e atualizados com base em índice da inflação dos alimentos.

Rosalvo Ferreira é professor do Departamento de Economia e vice-reitor da UFS

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1 Agradeço à Anicleide Pereira da Silva, pela revisão criteriosa do texto, e ao professor Kleber Fernandes Oliveira em relação à discussão e envio de dados complementares. A análise relativa aos subprogramas ensino fundamental, ensino médio (turno único e integral) e educação especializada será feita em um segundo momento, de modo a integrar a análise completa do PNAE, abrangendo os 9 subprogramas.

2 Os subprogramas são identificados pelas seguintes siglas: PNACN (creche); PNAEN (jovens e adultos); PNAFN (ensino fundamental); PNAPN (pré-escola); PNAQN (quilombola); PNAEE (educação especializada); PNAMN (ensino médio); PNAIN (indígena), e PNAMI (ensino médio integral)

4 Ao se calcular o valor per capita considerando-se o valor recebido pelas prefeituras municipais de Sergipe separadamente do valor recebido pela Secretaria Estadual de Educação, constata-se que o per capita anual da Secretaria foi de R$ 133,13 e o do valor repassado às prefeituras ficou em R$ 129,13.

5 Note-se que o valor per capita de Sergipe correspondeu a menos de 80% do valor alcançado pelo estado do Ceará.

6 O município de Pirambu teve o menor valor de repasse do PNAE-Creche. No entanto, o quantitativo de crianças ficou acima do registrado em 31 municípios. A princípio, pode ter havido algum erro de cadastro ou o município de Pirambu optou por renunciar a recursos destinados à alimentação nas suas creches.

7 O município de Aracaju foi o que apresentou maior número de crianças assistidas em creches, foram 2.983, embora esse número represente apenas 0,5% da população do município. Usando o mesmo percentual da população de 0 a 3 verificado para o estado, 6,6%, conclui-se que mais de 30 mil crianças nessa faixa etária não tiveram o acesso às creches no município em 2023.

8 O baixo valor do PNAE–Creche recebido por Aracaju indica a ocorrência de erro ou adoção de algum programa municipal com recursos próprios destinado à alimentação das crianças nas creches do município.

9 O quantitativo de alunos sergipanos assistidos pelo PNAE-EJA em comparação com o quantitativo de alunos assistidos no PNAE-EJA do Nordeste ficou acima de 20%, em 2023. Isto ocorre porque o quantitativo do PNAE-EJA da região corresponde a 0,04% da população total nordestina. A situação de outros estados do Nordeste é ainda mais crítica que a apresentada por Sergipe, o que não significa, em nenhuma hipótese, que os dados relativos à alimentação escolar de jovens e adultos tem o alcance que possa reduzir os elevados níveis de analfabetismo do estado de Sergipe e de toda a região Nordeste.

10 De acordo com o IBGE (Censo 2022), a população quilombola no Brasil é de 1,32 milhão de pessoas, estando na região Nordeste 905.415 pessoas, o que corresponde a 68% do total da população quilombola do país. Sergipe tem uma população quilombola de 28.124 pessoas, o que corresponde a 3% da população quilombola do Nordeste. Destaque-se que apenas 4% da população quilombola do país, segundo o IBGE, reside em territórios já titulados.

11 De acordo com a lei nº 11.947/2009, pelo menos 30% dos recursos repassados pelo FNDE devem ser destinados à compra direta da agricultura familiar.


Atualizado em: Ter, 04 de junho de 2024, 11:14
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